(Um parêntese entre os italianos, só para lembrar o centenário da Elizabeth Bishop)
ENCONTRO DE IRMÃS1
A poesia norte-americana do século XX gerou duas autoras que foram capazes de transformar a linguagem e imprimir-lhe um tom genuíno. Estas duas senhoras praticaram um gênero inovador, preocupando-se sobretudo em ladear um nível de experimentação singular, sem deixar margens para deficiências. Operaram em campos distintos tanto geográfica como conceptualmente, mas tiveram quase as mesmas preocupações e, além de tudo, foram amigas e discutiram durante anos os escritos entre si. Trata-se de Marianne Moore e Elizabeth Bishop.
Marianne, que nascera em 1887, publicou o primeiro livro em 1921. Antes disso, capturou a admiração de Ezra Pound que publicou poemas seus na Little Rewiew em 1917. O verso de Moore apresenta uma racionalidade instável, a par do seu estilo fragmentário. Os versos silábicos regem as rimas, são enxertados com uma cadeia referencial, misturando citações de variadas origens como notícias de jornais, pedaços de conversas, ou reminiscências de textos lidos; é uma panóplia lexical estruturada em torno de uma voz renovadora.
Propunha Wallace Stevens, num texto de The Necessary Angel2 - "About One of Marianne Moore's Poems" -, que os poemas dela "ilustravam o aperfeiçoamento de uma realidade individual". De facto, o mundo interior de Marianne explica muito do que escreveu. Solteirona convicta, adorava os bichos, e era uma leitora omnívora de jornais e apaixonada por baseball e dedicou vários poemas ao tema. O seu escritor de eleição era La Fontaine, de quem traduziu As Fábulas. Apesar destas predileções nada poéticas, Moore ficou conhecida como uma "poeta para poetas", tudo porque muitos críticos viam a sua poesia como excessivamente intelectualizada. Certo é que foi admirada pela nata da literatura, exemplo disso foi T. S. Eliot que, ao prefaciar os seus Collected's Poems3 não lhe poupou os elogios. Ao falecer em 1972, Ezra Pound mandou rezar uma missa em sua memória, onde leu os versos de "What Are years".
Como referi acima, estas autoras, formalmente distintas entre si, encontraram-se na amizade que durou décadas. Marianne Moore costumava costumava dizer que Elizabeth Bishop lhe fazia lembrar Pisanello porque a sua poesia era a "espectacularidade do não-espectacular". Bishop foi apresentada a Marianne por uma amiga bibliotecária do Vasar College onde fez a sua formação. A amizade prolongou-se, de forma epistolar, quando Bishop foi viver para o Brasil.
Nascida em Worcester, em 8 de fevereiro de 1911, estudou na Nova Escócia, Canadá, onde presenciou a loucura gradual da mãe. Publicou o primeiro livro, North & South4, em 1946. A obra foi apoiada por Moore e Edmund Wilson, e a crítica passou pelo crivo rigoroso de Randall Jarrel. Desde essa altura, a sobriedade estilística de Bishop, fortalecida por uma abstractização recorrente e uma intensidade perceptiva, adquiriu força e expressão, arrebatando inúmeros prémios. Octavio Paz dizia que "ouvi-la não era como se estivesse a ouvir uma lição, mas sim um prazer verbal e mental, tão grande quanto uma experiência espiritual". Robert Lowell foi outro a reconhecer-lhe o talento.
A relação com o Brasil começou em 1951 com uma viagem de barco. Ao chegar ao país, ficou hospedada na casa duma amiga norte-americana que vivia com Lotta Macedo Soares, rica herdeira de uma família do Rio de Janeiro. A paixão por Lotta foi correspondida e Bishop fixa-se no Brasil até meados dos anos 70, vivendo ali períodos políticos de instabilidade e opressão.
Para Bishop as viagens são tão essenciais como para Moore os animais. Foi com o livro Questions of Travel, de 1965, que a autora homenageou o Brasil em poemas que descrevem a paisagem, as gentes e a vida. Dois anos depois, a sua companheira suicida-se. Bishop permanece algum tempo no Brasil, mas regressa definitivamente aos Estados Unidos. Depois de muita insistência de Lowell, aceita o cargo de consultora de poesia da Biblioteca do Congresso, mas parece que viveu momentos difíceis, se tivermos em conta as cartas que escreveu nesta época5.
Ao receber o prémio Neustadt de 1976, recordou a experiência brasileira e a paixão por Lotta Macedo. É preciso não esquecer que se deve a Bishop a edição de uma antologia da poesia brasileira publicada pela Wesleyan University, em que convenceu nomes de peso como James Merril e W. S. Merwin a participar no projecto. Ela mesma traduziu poetas como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Joaquim Cardozo e Vinicius de Moraes.
Faleceu em 1979.
1 Poemas de Marianne Moore e Elizabeth Bishop, trad. Maria Loudes Guimarães, Porto, Campo das Letras, 1999; publicado no jornal Expresso.
2 The Necessary Angel, New York, Random, 1951.
3 Collected Poems, Macmillan, 1951.
4 Complete Poems (1927-19179), Material, 1984.
5 Uma arte - as cartas de Elizabeth Bishop, São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
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