segunda-feira, 4 de julho de 2011


RUSSOS

MONUMENTO CLÁSSICO1

A 6 de junho de 1999, a Rússia comemorou o bicentenário de Púchkin, o poeta nacional daquele país. A data foi alvo de um gigantesco programa que movimentou a sociedade russa. Em rigor, as comemorações tinham começado há três anos, quando vários locais por onde o poeta passou foram recuperados - nada menos que trinta e seis casas e apartamentos que estiveram ligados de alguma forma à sua vida. Organizaram-se ainda exposições, festivais de teatro, e vários monumentos foram erguidos em sua memória.. No cinema e na televisão filmes e documentários lembraram a obra do autor de Evguéni Onéguin, e até produtos alimentares foram baptizados com o nome do poeta. Isto demonstra como o autor influi no imaginário russo.
"Púchkin deu à Rússia a sua língua literária e a sua sensibilidade(...) O seu verso exibe uma incompreensível habilidade de combinar a leveza do toque com uma profundidade de tirar o fôlego, as suas rimas e metros revelam a natureza estereoscópica de todas as palavras"2. O elogio é de Joseph Brodsky, o poeta exilado, prémio Nobel de 1987, que ajudou a divulgar a literatura russa ocultada pela vaga futurista representada por Maiakovsky e seus companheiros vanguardistas. Tal como Goethe ou Shakespeare para as suas respectivas línguas, a obra de Púchkin garantiu um espaço de relevo e atenção de figuras como Alexandre Blok, Ossip Mandelstam, Marina Tsivietaieva que vislumbraram ideais literários a seguir.
Com uma vida agastada por dramas pessoais que acabaram por levá-lo à morte, Púchkin viveu todas as sensações e dores. Apesar do pouco tempo de vida - nasceu em 1799 e morreu em 1837 - deixou uma obra assinalável. Autore de novelase contos, exímio escultor de personagens - não foram poucos os que apontaram a sua influência sobre Dostoievski e Tolstoi - Púchkin escreveu poemas narrativos, peças dramáticas, narrações de viagens e pesquisas históricas, além de inúmeros textos inacabados, esboços e narrativas autobiográficas.
A sua obra circunscreveu um amplo território de expressões norteada por uma lírica repartida entre as angústias humanas, a beleza, a sucessão das gerações, a ironia e até a técnica da colagem. O mais interessante é que, apesar das dificuldades que teve com o poder e da censura a que foi sujeito, o poeta ergueu ambientes renovadores para a época, legando assim um terreno fértil para as experiências posteriores. Com efeito, é possível fazer um contraponto com Ossip Mandelstam que morreu num campo de concentração na Sibéria por ter escrito um poema que ironizava a figura de Estaline. Púchkin sofreu também as agruras da proibiução e do exílio.
Quando morreu, dois dias após o duelo com o conde Danthès, nos arredores de São Petersburgo, deixava uma obra que começou instantaneamente a conquistar a admiração. É preciso não esquecer que Púchkin surge num momento em que na Rússia estava em curso a consolidação de autores como Gogol e Lermontov, clássicos indiscutíveis da literatura do século XIX.
Representante de uma família cujas raízes remontam ao século XII, Púchkin foi educado como muitos dos filhos da nobreza russa, ou seja, sob a influência da cultura francesa. Pelo lado materno, o poeta teve um antepassado que viera de África e ficou conhecido como " O negro de Pedro, o Grande". O poeta não recusou a herança, e em alguns poemas fez questão de acentuar o pormenor genealógico.
A biblioteca paterna era pejada de autores franceses, o que permitiu ao jovem poeta dominar o francês antes mesmo de falar o russo. Com a conclusão dos estudos, foi nomeado tradutor do Departamento de Assuntos Estrangeiros de São Petersburgo, onde passou a frequentar os salões aristocráticos. O seu primeiro grande poema - o prólogo foi traduzido nesta versão -, foi "Russlan e Liudmila".
As relações insurrectas e as mensagens veladas contra o czar que aparecem nos versos chamaram a atenção das autoridades, e o poeta é enviado para o sul da Rússia. Em 1823 dá início à sua obra-prima, Evguéni Onéguin. Depois é transferido para Odessa, onde escreve a fatídica carta em que se declara ateu. A correspondência é interceptada, e Púchkin amarga o exílio em Mikhailovskoe, onde é vigiado em similtâneo pela polícia e os religiosos da aldeia. Foram-lhe proibidas visitas e a saída. Seguir-se-iam muitos fatos que o levaram a regressar a São Petersburgo, o casamento com Natalia Goncharova, e o duelo fatal.
1 O cavaleiro de Bronze, trad. Nina Guerra e Filipe Guerra, Assírio, 1999; publicado no Expresso.

2 Menos que um, Companhia das Letras, SP,1994

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