segunda-feira, 11 de julho de 2011


Tsvietaeva Mandelstam
Akhmatova
Essenin
Maiacovski
Klébnikov


O VERBO E A MORTE1

Na Rússia do início do século XX concentraram-se múltiplos movimentos de vanguarda. Do cinema de Vertov e Eisenstein, do teatro de Meyerhold à música de Stravinsky e à arte de Kandinsky, a criação artística parecia brotar em cada esquina. A literatura não ficou alheia, pelo contrário, neste território se travaram as mais renhidas lutas e se deram os mais sinistros acontecimentos. Se o século XIX se tornara exemplar pela ascensão do romance russo, nas primeiras décadas do novo século a poesia foi a grande senhora. As gerações que emergiram foram responsáveis pelas transformações estéticas radicais, e é neste período que vários artistas são perseguidos, presos, proibidos de escrever e assassinados, numa série de factos envoltos em tragédia. A razia começou com o Futurismo, encabeçado por nomes como Vélimir Klébnikov, Serguei Essenine e Vladimir Maiacovsky.
Klébnikov participou nas campanhas do Exército Vermelho, depois tentou publicar as suas obras em Moscovo; regressou ao Cáucaso e, em 1922, faleceu debilitado pela fome. O destino de Essenine seria ainda mais trágico. Conheceu Isadora Duncan em 1921 e casaram-se no ano seguinte. Viajaram pelo mundo, mas o poeta abusava do álcool e o casamento naufragou. Sem conseguir adapatar-se à revolução russa, suicida-se num hotel, em 1925, escreve antes um último poema:

"Adeus meu amigo, sem aperto de mão nem palavras.
Não lamentes e não haja dor nem pena, -
Nesta vida morrer não é nada novo,
mas também nada de novo é viver"2


Depois cortou os pulsos e enforcou-se.
Maiacovsky, o "enfant terrible" do Futurismo, teve o destino traçado pela instromissão da política na sua obra e não foi poupado pela União dos Escritores, que o perseguiu por considerar as suas atitudes anti-revolucionárias. A sua ligação com Lília Brik, mulher de Ossip Brik, não agradava as autoridades. O triângulo amoroso foi encoberto, e o Museu Maiacovsky, situado na casa onde viveram os três, foi transferido para outro lugar. A perseguição chegou ao fim em 1930. O poeta que cantara a revolução suicida-se com um tiro no coração. A intervenção de Lília Brik junto de Estaline permitiu que a sua obra voltasse a circular. Lília dedicou-se a difundir a obra do poeta e, em 1978, aos 86 anos, pôs fim à vida ingerindo barbitúricos. A melhor síntese sobre o poeta, fê-la Marina Tsvietaieva:
"Durante 12 anos, o Maiacovsky-homem assassinou o Maiacovsky-poeta, no décimo terceiro ano o poeta revoltou-se contra o homem(...) Foi a vitória sobre a natureza e a glorificação da natureza. Viveu como homem e morreu como poeta"3
A "troika" notável dos acmeístas era formada por Marina Tsivietaieva, Ana Akhmatova e Ossip Mandelstam. O dilema desta geração foi estar no meio do fogo cruzado: por um lado, desejava mudanças, por outro, não alinhava com as transformações revolucionárias e opunha-se à orquestração promovida pelos futuristas, distante do ideal literário que professavam. A poesia refinada destes autores penetrava nas fontes da tradição russa.
Os membros da Oficina de Poetas reuniam-se na revistas Apollon e no café Cão Perdido, onde assistiam a conferências, teatro, balé, concertos ou sessões de poesia.
Casada com o crítico Gumiliov, Akhmatova teve problemas a partir de 1925, com a proibição de publicar feita pelo Comité Central do PC. Trotski criticou-a, e a Tsvietaieva, com alguma ligeireza:
"Possuem um universo redutor(...) para quem Deus é uma terceira pessoa simples e maleável, amigo da família, e cumpre, às vezes, o dever de ginecologista". Mas tinha defensores como Alexandra Kolontai e Modigliani. O silêncio imposto durou até 1940, quando escreveu contra o bombardeio de Londres e a invasão da França. Mas a visita de Isaiah Berlin4 desencadeou nova proibição, e o filho seria preso novamente. Só o degelo pós-estalinista acabaria com o martírio. Mandelstam resumiu com perfeição a poesia de Akhmatova: "Não existiria sem Ana Karenina, Turgueniev ou Dostoiveski. A sua essência poética, severamente original, recua até à prosa do romance psicológico".
Outra grande dama das letras era Marina Tsvietaieva. Admirada por Rainel Maria Rilkee Boris Pasternak. A adolescente rebelde que aos 16 anos abandonou os estudos para ver Sarah Bernhardt, encantou Gumiliov que foi o primeiro a escrever sobre ela. Tinha 24 anos quando a revolução eclodiu, dois filhos e o marido no Exército Branco. Com a morte da filha mais nova vitimada pela fome, em 1922, decidiu abandonar a Rússia. A solidão, o assassinato do marido pela polícia política e a prisão da filha mais velha, Ariadne Efron, num campo de concentração onde perdeu o filho de que estava grávida, determinaram o regresso à Rússia, em 1940. Sem condições de subsistência, procurou a ajuda dos amigos. A meia-irmã recusou ajudá-la; Ilya Ehrenburg, um antigo amante, evita-a; Pasternak, a paixão mais terna, distancia-se. Mudou para Elábuga, onde, no limite das forças , implora à direçãoda União de Escritores um lugar para lavar pratos. A resposta é negativa. Enforcou-se em agosto de 1941.
Mandelstam foi preso devido ao poema que escreveu caricaturando Estaline, e seguiu para a Sibéria onde morreu possivelmente em 1938.
Estes autores mantiveram-se fiéis aos seus princípios, unidos pela dedicação à poesia. Levaram a lição de ética às últimas consequências. Em 1989, baptizou-se uma estrela com o nome de Akhmatova. A meu ver, a iniciativa pretendeu consagrar não só sua obra mas a plêiade de poetas que lutou contra a opressão. Os poemas de Mandelstam sobreviveram graças ao amor de sua mulher, Nadejda, que, nas suas memórias, relata a forma e as condições em que foram escritos, para que as gerações futuras conhecessem a verdade.
A mensagem rompeu as trevas e chegou intacta ao seu destino.

1 Guarda minha fala para sempre, trad. Nina Guerra Filipe Guerra, Lx, Assírio e Alvim, 1996; publicado no jornal Expresso.
2 Poetas Russos, Trd. Manuel Seabra, Lx, Relógio d'Água, 1995.
3 Carta a la Amazona y otros escritos Franceses, Madrid, Hiperión, 1991.
4 Ver A Apoteose da Vontade Romântica, Bizâncio, 1999, o texto "Conversas com Akhmatoiva"

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