segunda-feira, 9 de maio de 2011



POÉTICA MESTIÇA1

As últimas escolhas dos senhores da Academia sueca têm revelado algum equilíbrio. Foi assim com Joseph Brodsky - Nobel de 1987 -, Octávio Paz (1990) e Seamus Heaney (1995). O galardão de 1992 veio coroar o percurso de Derek Walcott, admirado por muitos críticos, como Brodsky, que escreveu a introdução a Poems of the Caribbean 2. Brodsky fez a defesa de Walcott contra alguns críticos que o situavam como fenómeno regional, hesitando em admitir que a sua obra era uma das mais singulares da língua inglesa. As designações de “poeta antilhano” ou “poeta negro do Caribe” são redutoras. Toda grande poesia transpõe as grades que a aprisionam num espaço.

Nascido na ilha de Santa Lúcia, antiga colónia britânica, completou a universidade na Jamaica e estudou teatro nos Estados Unidos. Antes de receber o Nobel publicou aquela que é a sua obra mais arrojada, Omeros, onde tenta descontextualizar o “Brave New World”. Walcott experimenta a capitulação de uma “Odisseia” caribenha, galvanizada nos contrastes históricos, literários e na mestiçagem cultural. Não é só a nostalgia de um passado edénico que este poema quer canonizar, mas a interrogação da identidade nascida da confluência de mundos, mitos e heranças assimiladas.

Walcott sustenta a fluência do poema sob a forma de tercetos, reunidos pela tensão da elipse, das metáforas e o “flash-back”. À maneira joyciana, as figuras de Omeros personalizam os estereótipos da Odisseia e da Ilíada transpostos para a ilha onde nasceu o autor, as conotações mitológicas assumem parâmetros aproximativos. As referências interpõem-se, Homero entra e sai de cena, ora como o poeta mesmo, ora caracterizado na figura de Sete-Mares, o velho pescador cego. Achille e Hector são dois pescadores que travam o combate verbal para conquistar Helen, mulata sedutora e arrogante. A relação entre os amigos agrava-se quando ela abandona Achille para viver com Hector. Ma Kilmann é uma espécie de sibila, mãe-de-santo, dona do bar em que as personagens se encontram. Philoctete é um pescador que deixou o mar para ser plantador de inhame, tudo porque feriu o tornozelo na ponta de uma âncora e a ferida solta um odor nauseabundo. De acordo com o original, Philoctete é condenado pelos deuses a suportar uma ferida por ter revelado o lugar onde Héracles fora incinerado. Consegue curar-se depois de o centauro Quíron lhe receitar a seiva de uma planta. No poema de Walcott, Ma Kilmann prepara uma infusão e Philoctete purifica-se.

O poema atinge o auge na passagem em que Achille regressa em sonhos à aldeia dos seus antepassados, no golfo do Benim, reencontrando o pai, Afolabe, que o repreende por ter esquecido o seu nome africano. Afolabe condena-o e profere a frase simbólica do poema, pois se “está feliz por não conhecer os significados dos nomes”, então o “filho sem nome” é o “fantasma de um nome”.

Toda a epifania de Omeros se centra neste encontro, que é a alternância entre passado e presente intertextual. O impacto que o poema provoca no leitor foi resumido com precisão por Joseph Brodsky: “Walcott baseia-se na convicção de que a língua é maior do que os senhores ou os seus escravos, de que a poesia, sendo a versão suprema da língua, é um instrumento de auto-aperfeiçoamento tanto para uns quanto para os outros”3.

1 Omeros, London, Faber and Faber, 1993.

2 Poems of the Caribbean, NY, Limited Editions Club, 1983.

3 In Menos que Um, São Paulo, Companhia das Letras, 1994.




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