quinta-feira, 2 de junho de 2011


UMA ROSA PARA YEATS1

You were silly like us: your gift survived it all;

The parish of rich women, physical decay,

Yourself; mad Ireland hurt into poetry.

Now Ireland has her madness and her weather still,

For poetry makes nothing happen: it survives2

Para Ana Lopes, 15 anos depois.

Há poetas que dispensam apresentação. Com tais poetas é difícil acionar o diapasão da crítica, porque a sua elegância engloba todos os sentidos. Há poetas que nascem completos, aprimoram ao longo da vida as arestas dos seus versos, versos que não ocultam complexidades, cujo dizer aflora numa imagem. Por essa via, tais poetas acabam por ligar-se de forma intensa à terra e aos homens.

Chamá-lo de pré-rafaelita tardio, simbolista mallarmeano, líder da ressurgência de Blake ou participante da renascença céltica é deixar de lado o essencial, isto é, que William Butler Yeats foi o maior poeta de língua inglesa do seu tempo. Este é o verdadeiro tributo e ele obteve-os todos - mas acreditava que "tudo não passara do óbvio logro da derrota". O tom levemente amargurado escondia o que muitos críticos e biógrafos foram unânimes em concluir: o mais desejado tributo teria sido apenas o amor de Maud Gonne, a Helena de Tróia irlandesa que evocou, a militante nacionalista que amou.

Conheceu-a ao completar 23 anos, por duas vezes pediu-a em casamento e recebeu sempre a mesma resposta. O poema "Quando fores velha"3, foi escrito em 1891, por altura do primeiro pedido. Estiveram juntos na campanha de agitação nacionalista e na peça que escreveu para ela, "The Countess Cathleen", mas a relação não ultrapassou a amizade. Maud casou com outro militante e mudou-se para Paris, onde nasceu a sua única filha. O poema, "Oh, não ames demasiado tempo" resultou do impacto da notícia do casamento. A presença de Maud acompanhá-lo-ia durante todo o seu percurso, e cada palavra, cada verso parece desenhar por trás o rosto desta mulher.

"A minha ânsia é tudo reconstruir e sentar-me num verde outeiro solitário,
com a terra, o céu, a água renovados, como um cofre de ouro
para os meus sonhos da tua imagem que floresce numa rosa tão
/profundamente no meu coração"4

Yeats era um autodidacta autêntico e um acérrimo artesão do verso. A sua simplicidade é aparente, a leveza da linguagem dissimula o refinamento estilístico à procura do apuro em cada verso, reescrito vezes sem conta, não sem antes assobiar o ritmo, o que explica o peso da música em Yeats;

"Ouço a branca beleza que também suspira,
durante horas em que tudo deve consumir-se como orvalho,
mas chama sobre chama, abismo sobre abismo,
trono sobre trono no meio do sono,
pousadas as suas espadas sobre os joelhos de ferro,
meditam nos seus altos mistérios solitários"5

Eis a religião da beleza do poeta, recebida em transfusão directa do pai, com quem lia
poemas em voz alta após o pequeno-almoço. Uma religião poética inspirada nas religiões da Irlanda, no ocultismo, na política, na Rosa-Cruz, e em Blake. Os símbolos se ocultam nestes poemas, encimados pela imagem da 'rosa simbólica' que absorve as ressonâncias:

"Quando se soltarão do céu as estrelas
como chispas de uma forja, quando morrerão?
É chegada a tua hora, teus grandes ventos acordam
longínqua, secretíssima, inviolada rosa"6

Yeats casou, teve filhos, reflectiu sobre a guerra, recebeu honrarias, exercitou outras formas de ocultismo, agora de parceria com a mulher George Hyde-Lees. E continuava a amar Maud. "Os cisnes selvagem de Coole" é o lamento do homem que observou o tempo avançar e a solidão a envolver a vida. A memória do amor permanecia intacta:

"Dezanove Outonos se passaram desde que
os contei pela última vez:
(...)
os seus corações não envelheceram;
paixão ou conquista solicitam ainda
seu incerto viajar"7

O Nobel veio em 1923. Enganavam-se aqueles que pensavam ser "Colle" o seu canto do cisne, Yeats preparava-se para um novo voo em direção à grande viragem da sua obra. "The Tower" reúne alguns dos poemas mais famosos - "Sailing to Byzantium", Leda and Swan", "Two Songs from a play". José agostinho Baptista traduz com segurança este longo poema em que Yeats, após visitar um colégio feminino, fascinado com a beleza das jovens, vê na juventude estampada nos rostos a beleza de outrora daquela que amara. O poeta resgata a memória da mulher e consagra a juventude. O poema tem passagens memoráveis e versos como - faço questão de citar no original -;

"And bring beauty's blind rambling celebrant"8

que reverbera um tom cristalino; ou ritmos como:

"And further add to that
that, being dead, We rise,
Dream and so create
Translunar Paradise"9

Era o poeta da maturidade, senhor supremo de si e do ofício, fortalecido pelo tom contemplativo e o timbre severo do último período. Seguir-se-iam poemas como "Coole Park and Ballylee", "Bizâncio", "Jane, a louca, acerca de Deus", ou "A deserção dos animais do circo". Há poetas que rivalizam com a própria obra. Yeats era um deles.
O poeta que Middleton Murry considerava um "esteta ultrapassado", cujo poema "The Lake of Innisfree" fora ironizado por Robert Graves, e que Eliot criticou ao afirmar que "O mundo sobrenatural de Yeats é um equívoco", este poeta tornar-se-ia um dos principais símbolos do século XX.
1 Uma antologia, trad. José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, 1986; publicado no jornal Expresso.
2 O poema "Em memória de W. B. Yeats" de W. H. Auden, cito a tradução de Margarida Vale de Gato:
"Foste tonto como nós, a tudo sobreviveu teu talento;
a paróquia das ricas senhoras, à decadência física,
a ti mesmo, a louca Irlanda feriu-te para a poesia.
Agora a Irlanda tem ainda a sua loucura, a sua temperatura"
3 Op. cit., p. 15
4 idem, p. 21
5 idem 27/29
6 idem, p. 37
7 idem 75/77
8 idem p. 88
9 idem, p. 112

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