quarta-feira, 22 de junho de 2011


NO PALCO DA POESIA1

Brecht é, sem dúvida, uma figura multifacetada que soube encarar os desafios, sem nunca abandonar as suas preocupações pessoais e o compromisso utópico das suas convicções políticas. Oriundo de Augsburgo, onde nasceu em 1898, Brecht ficou marcado para sempre pelas constantes incursões de juventude a Munique, onde conheceu o teatro popular encenado nas cervejarias, além de frequentar os cabarés tradicionais. Fora desde cedo distinguido como um talento dramatúrgico renovador, desenvolvendo a tradição alemã fortalecida pelas obras de Frank Wedekind e Friedrich Hebbel. Aos 24 anos, Brecht ganha o mais cobiçado galardão alemão, o Prémio Kleist.
Brecht foi admirado por gerações, na mesma medida que garantia ódios explícitos. O mais severo crítico da sua obra foi Friedrich Dürrenmatt, que não perdoava o posicionamento ideológico de Brecht. A implacabilidade do escritor suíço era tanta que, uma vez, não se coibiu de designá-lo como "o exemplo extremo de um poeta sentimental".
A poesia de Brecht actuou criticamente sobre os factos da História, fabricando um discurso elementar para combater a barbárie. Por isso, não é difícil encontrar interlocutores deste poeta. A objectividade do tratamento que a sua percepção assume, é sintetizada pela visão dialética sobre as coisas, o homem e a sociedade:

"Com as tábuas da lei acabaram-se os vícios.
Já se dorme com a irmã, sem nenhum prazer.
O crime tornou-se demasiado penoso.
Fazer versos é coisa por demais comum.
Em face da incerteza do momento
muitos preferem dizer a verdade
sem pensar no perigo que daí advém"2

Muitos poemas fazem parte das peças que escreveu, outros testemunham a forma como encarava a realidade, a recorrência ao coloquial e a inserção da ironia:

"Por que será que só falo
da caquética (!) quarentona desta casa?
os seios das raparigas
tê o calor de sempre.

Uma rima no meu poema
seria quase uma insolência"3
A temática é aprofundada com o início do exílio, em 1933. Vive em cidades como Praga, Viena e Zurique. O livro representativo deste período é Poemas de Svenbor. Walter Benjamin em "Versucht über Brecht" assinala que "A atitude associal de Sermonário Doméstico converte-se numa atitude social nos Poemas de Svenbor. Mas não se trata de uma conversão. Não destruímos aquilo que amamos"4. De facto, o poeta não faz mais do que assegurar uma dicção trabalhada segundo a emergência da visão individual; os dilemas humanos recriados numa camada corrosiva de insubmissão.
Distante de Paul Celan no que diz respeito ao direcionamento seguido, todavia é com este poeta que acaba por manter a interlocução contínua. São disso exemplo inúmeros poemas do autor de Rosa de ninguém5. Os contrastes são curiosos. Enquanto Celan se comprometia com uma "política da linguagem" elevada a um extremo grau metafórico e hermético, Brecht acreditava no adensamento reflexivo e ideológico para transformar a História. talvez tenha sido estes pormenores que levaram Celan a recuperar temas específicos de Brecht - o poema sobre o suicídio de Walter Benjamin, ou "Uma folha sem árvore para B. B.".
As imposições históricas que uniram ambos os autores , encontram aí a encruzilhada, e uma só forma de combater a escuridão que persiste em toldar o humano: a liberdade do homem encontrada através da palavra.

1 Poemas, trad. Arnaldo Saraiva, Porto, Campo das Letras; publicado no jornal Expresso.
2 op. cit., p. 55/6
3 idem, p. 79
4 in Tentativas sobre Brecht, trad. Jesús Aguirre, Madrid, Taurus, 1975, p. 72
5 Sete rosas mais tarde, trad. Y. Kace Centeno e João Barrento, Lx, Cotovia, 1993

Nenhum comentário: