quarta-feira, 8 de junho de 2011


POETICAMENTE CORRETO1

Sob os carvalhos de Sligo, em Drumcliff, onde está enterrado, Yeats jamais poderia imaginar que um poema como "The Lake of Innisfree" transformar-se-ia num símbolo iniciático para os jovens poetas da Irlanda. O prémio Nobel de Literatura de 1995 foi dado, pela terceira vez, a um representante da poesia irlandesa, Seamus Heaney.
Existem diversos aspectos que fizeram a poesia irlandesa divergir dos caminhos inaugurados por Yeats, embora esteja em dívida perpétua com o autor de "Sailing to Byzantium". Ao mesmo tempo que explora o manancial cultural das tradições, o poeta irlandês aprofunda a busca do real na sua poesia. isto implica a consciência sobre a ruptura que há no interior desta poesia, ou seja, da não utilização do gaélico como expressão literária. Em contrapartida defendem a sua dissociação da literatura genuinamente inglesa, praticando um gênero de exílio interior e linguístico. A ruptura concretiza-se naquela instância onde os temas , as ambiências se singularizam e a forma exprime e funda a sua legitimidade. Chegamos à encruzilhada em que as sendas abertas por Yeats, Patrick Kavanagh, posteriormente Heaney, Thomas Kinsella, John Montague e, mais recentemente, Eamon Grennan e Thomas McCharthy encontram a equação dos valores.
As personagens emblemáticas do panteão mitológico da Irlanda tomam outra forma. Cuchulain e Ossian falam com outras vozes. Os poderes simbólicos da tradição não têm importância, trata-se de realizar e instaurar os desejos e a consciência de um povo dividido. O "Twilight celtic" dissipa-se cada vez mais, confirmando-se no tom, às vezes, telúrico de Seamus Heaney, o mais mediático de todos os poetas daqueles país.
Este irlandês do Ulster, nascido no condado de Derry, viu o Nobel homenagear indiretamente as paisagens bravias que nunca deixou de evocar. A sua poesia proclama a comunhão do homem com a terra, revolve o passado histórico, alegoriza os tumultos do presente e disponibiliza ao leitor imagens refundidas de uma região pessoal:

"Regressei a um longo areal,
à curva em ferradura de uma baía,
e só encontrei, trovejante,
o poder secular do Atlântico.
(...)
aqueles saqueadores fabulosos,
os que jazem em Dublin e nas Orkneys
com as suas longas espadas
ganhando ferrugem ao seu lado"2


Ele explora os conflitos gerados pelos condicionamentos políticos :

"O Ulster era britânico, mas sem direitos
sobre a lírica inglesa: à nossa volta, embora
não lhe tivéssemos dado um nome, o ministério do medo"3
Sem deixar de evocar o apelo milenar da terra, pela imagem que difunde, Heaney parece uma espécie de Pablo Neruda celta, um Ievtuchenko irlandês. O sucesso da sua poesia frente ao público e à crítica corrobora esta ideia. A decisão dos acadêmicos veio mais uma vez divulgar a obra de um autor que já se notabilizara no circuito mundial, mas agora poderá chegar a um número maior de leitores.

1 Texto sobre o prémio Nobel de 1995, publicado na "Revista" do Expresso.
2 Da Terra à Luz, trad. Rui Carvalho Homem, Lx., Relógio d'Água, 1997.
3 Op. cit., p. 157.



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