quinta-feira, 14 de abril de 2011



INSTANTÂNEOS CUBISTAS1


Geografias e Peças, de Gertrud Stein é um dos mais radicais exercícios de abstracção teatral daquela que Ernest Hemingway caracterizou de forma lapidar:"Ela parecia uma camponesa quando jovem; no fim da vida assemelhava-se a um robusto general romano".

Foi na Pensilvânia que nasceu, em 1874. Estudou medicina e psicologia com Williiam James. A partir de 1914 passou a viver em Paris, onde travou amizades e apoiou a nata artística dessa altura. Está ligada à geração de Theodore Dreiser, Stephen Crane e Eugene O'Neill, mas só por efeito cronológico, porque Gertrud Stein avançou em direção a territórios pessoais. A sua obra é o exemplo da preciosidade quase impenetrável, a exigir o fôlego do leitor, permitindo uma divisão específica. Obras como Three Lives, Everybody's Autobiography, The Autobiography Alice b. Toklas e Ida, são as mais populares, todo o resto é composto pela originalidade da prosa, a ausência de figurativismo dos poemas e um trabalho dramático impregnado do pendor experimentalista.

Os dados lançados por Stein são singulares. Exercendo pressão directa na raiz da linguagem, progrediu até o limite da concisão. Dir-se-ia que procurou limpar a adiposidade da sintaxe para exprimir só o indispensável. Os advérbios antecipam os verbos, o objecto encarna o sujeito, os adjectivos são usados de forma indeterminada. Stein experimentava outras perspectivas e novas enunciações para "descrever algo sem mencioná-lo". Os excessos são abolidos.

O caudal discursivo do romance The Making of Americans foi substituído por frases curtas, sequências iterativas e o uso de monossílabos, presentes desde Tender Buttons. As variações linguísticas atendem não à mudança súbita do estilo mas à busca de uma opacidade verbal que pudesse traduzir as sensações. Stein ladrilhava aos poucos o chão da sua ópera cubista.

O processo acentua-se com Preciosilla e Geography and Plays. O intuito de Stein nesta última peça foi elaborar retratos de lugares e factos sem penetrá-los a fundo, focando-os com um olhar tangencial. Daí a falta de profundidade das personagens, são caricaturas sem sentido aparente. Os cenários e a direção estão ausentes, é o aspecto aleatório que se evidencia aqui. Tal liberdade confere uma dinâmica múltipla ao encenador.

A postura de Stein diante da linguagem foi a razão pela qual se fizeram analogias da sua obra com o cubismo. A meu ver, empunha uma lente prodigiosa, que multiplica e organiza os ritmos e os timbres experimentais. Como bem viu Richard Kostelanetz: "É a linguagem que deve ser apreciada unicamente como linguagem"2. Esta tendência não passou despercebida entre os seus coetâneos. Segundo propôs o ensaísta Edmund Wilson3, Stein assombra The Sun Also Rises e Farewell to Arms de Hemingway. Nota-se ainda a sua presença em Joyce de Finegans Wake, no humor "nonsense" de Beckett - em Ping, por exemplo -, ou no método "cut-up" de Burroughs. O raio de acção lançado por Stein, a partir da rua Fleuris, 27, em Paris, deixou a sua marca definitiva na vanguarda do século XX.


1 Texto sobre a peça de Stein estreada na Culturgest, em janeiro de 1998; publicado no jornal Expresso.

2 Viagem à Literatura Americana Contemporânea, org. Richard Kostelanetz, RJ, Nórdica, 1985.

3 O castelo de Axel, Cultrix, SP, 1985.

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