quinta-feira, 13 de janeiro de 2011


O VERBO INSULAR1
Cada um transporta o seu inferno portátil. O de Virgilio Piñera foi escrever e assumir-se como homossexual em Cuba, o que lhe valeu a perda do emprego, os livros que deixaram de ser publicados , a proibição das peças teatrais que escreveu e a obra vetada pela universidade. Como a glorificação póstuma é uma tendência que continua viva, não causa surpresa que o seu nome - vinte anos após a sua morte - volte a ser recuperado, sobretudo em Espanha, onde a sua obra tem sido alvo de reedições. Contudo, o calvário que viveu não pode ser esquecido, e a importância daquilo que deixou merece a devida atenção.
Nos primórdios da revolução cubana, um facto marcou o panorama cultural da ilha. Em 1962, durante o Congresso de Escritores e Artistas realizado na Biblioteca Nacional de Cuba, Fidel Castro pronunciou o discurso "Palabras a los intelectuales". Uma frase paradigmática anunciava o período que estava para vir: "Dentro de la revolución, nada. Contra la revolución nada, porque la revolución tiene también sus derechos y el primer derecho de la revolución es el derecho a existir y frente al derecho de la revolución de ser e existir, nadie". O poeta, contista e dramaturgo Virgilio Piñera estava presente no congresso e a única afirmação que fez foi: "Yo quiero decir que tengo mucho miedo. No sé por qué tengo ese miedo pero es eso todo lo que tengo que decir". O efeito provocado pelas palavras de Fidel consumou-se pouco tempo depois. A política de perseguição entra em ação, em 1965, e um grande número de artistas e escritores são presos, acusados de homossexulaidade e enviados para os campos da UMAP - Unidades Militares de Ajuda à Produção -, onde são submetidos a trabalhos forçados e doutrinação política.
Muito do que se passou ficou registado no livro Antes que anoiteça2, de Reinaldo Arenas, onde evoca a figura de Piñera. O período ficou conhecido como o "quinquenio gris" e agravou-se durante a década de 70. Virgilio Piñera designou-o como o da sua "morte civil".
O escritor nasceu em Cárdenas, em 1912, e faleceu em 1979 na ilha natal, completamente ostracizado pelo regime castrista, mas sem abandonar a escrita. Entre 1948/56 estabeleceu-se na Argentina, convivendo com Jorge Luís Borges e Witold Gombrowicz, de quem traduziu Ferdyduke. Fez parte do grupo revelado na revista Orígenes, dirigida por Lezama Lima e José Rodriguez Feo, onde colaboraram autores como Octávio Paz, Jorge Guillén, Luís Cernuda, Henri Michaux, Pierre-Jean Jouve, Wilfredo Lam e Rufino Tamayo. Tal grupo foi o verdadeiro impulsionador da modernidade literária não só cubana, mas hispano-americana.
Virgilio Piñera começou a publicar nos anos 40, recebendo críticas negativas, como a do poeta Cintio Vitier que, no livro Lo cubano en la Poesía3, acusava o autor de ter escrito um "testimonio de la isla falseado", com afirmações categóricas sobre a sua poesia: "Piñera había convertido a Cuba en una caótica , telúrica y atroz Antilla cualquiera para festín de existencialistas".
De facto, o grupo de Orígenes elaborou uma técnica baseada na memória, nas tradições e nas fábulas. Por seu turno, Piñera desprezou a marca paradisíaca, a expressividade idílica ou as imagens bucólicas, procurando abalar a mitologia cubana pela dessacralização, assumindo a ironia, o coloquialismo formal, a temática "gay" e uma narratividade bem visível, ou seja, tudo aquilo que era adverso ao cânone proposto por Cintio Vitier.
Em Espanha, a obra de Piñera tem sido publicada com regularidade. A edição de La Isla en Peso foi publicada em 2000 e contou com a organização do escritor Antón Arrufat, discípulo de Piñera nos anos difíceis. O livro apresenta a obra poética que não é vasta, mas explica porque , em Cuba, Lezama Lima e Virgilio Piñera são considerados mestres absolutos e antagónicos, daí muitos terem considerado Piñera como "el poeta menos lezamiano de su generación".
A sua poesia faz a síntese perfeita entre o surrealismo, o existencialismo e a negritude decantada de uma maneira distinta dos seus contemporâneos. Como afirmou María Zambrano, "en la poesía de Piñera tiene mucho de confesión al revés". O poeta cria um tom que distancia a palavra poética da conjuntura política. O espaço vital da poesia é a percepção metafórica intensa, como no longo poema que dá título ao volume.
O início fulminante retrata uma realidade insular que abre as portas para uma leitura inovadora, repleta de escárnio melancólico:
"La maldita circunstancia del agua por todas partes
me obliga a sentarme en la mesa del café.
Si no pensara que el agua me rodea como un cáncer
hubiera podido dormir a pierna suelta." 4
1 La isla en Peso, Barcelona, Tusquets, 2000, publicado no jornal Expresso.
2 Antes que Anoiteça, Porto, Asa, 2001.
3 Lo Cubano en la Poesía, Havana, Instituto del Libro, 1970.
4 op. Cit., p. 37.

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