sexta-feira, 27 de maio de 2011
segunda-feira, 23 de maio de 2011
segunda-feira, 16 de maio de 2011
segunda-feira, 9 de maio de 2011
As últimas escolhas dos senhores da Academia sueca têm revelado algum equilíbrio. Foi assim com Joseph Brodsky - Nobel de 1987 -, Octávio Paz (1990) e Seamus Heaney (1995). O galardão de 1992 veio coroar o percurso de Derek Walcott, admirado por muitos críticos, como Brodsky, que escreveu a introdução a Poems of the Caribbean 2. Brodsky fez a defesa de Walcott contra alguns críticos que o situavam como fenómeno regional, hesitando em admitir que a sua obra era uma das mais singulares da língua inglesa. As designações de “poeta antilhano” ou “poeta negro do Caribe” são redutoras. Toda grande poesia transpõe as grades que a aprisionam num espaço.
Nascido na ilha de Santa Lúcia, antiga colónia britânica, completou a universidade na Jamaica e estudou teatro nos Estados Unidos. Antes de receber o Nobel publicou aquela que é a sua obra mais arrojada, Omeros, onde tenta descontextualizar o “Brave New World”. Walcott experimenta a capitulação de uma “Odisseia” caribenha, galvanizada nos contrastes históricos, literários e na mestiçagem cultural. Não é só a nostalgia de um passado edénico que este poema quer canonizar, mas a interrogação da identidade nascida da confluência de mundos, mitos e heranças assimiladas.
Walcott sustenta a fluência do poema sob a forma de tercetos, reunidos pela tensão da elipse, das metáforas e o “flash-back”. À maneira joyciana, as figuras de Omeros personalizam os estereótipos da Odisseia e da Ilíada transpostos para a ilha onde nasceu o autor, as conotações mitológicas assumem parâmetros aproximativos. As referências interpõem-se, Homero entra e sai de cena, ora como o poeta mesmo, ora caracterizado na figura de Sete-Mares, o velho pescador cego. Achille e Hector são dois pescadores que travam o combate verbal para conquistar Helen, mulata sedutora e arrogante. A relação entre os amigos agrava-se quando ela abandona Achille para viver com Hector. Ma Kilmann é uma espécie de sibila, mãe-de-santo, dona do bar em que as personagens se encontram. Philoctete é um pescador que deixou o mar para ser plantador de inhame, tudo porque feriu o tornozelo na ponta de uma âncora e a ferida solta um odor nauseabundo. De acordo com o original, Philoctete é condenado pelos deuses a suportar uma ferida por ter revelado o lugar onde Héracles fora incinerado. Consegue curar-se depois de o centauro Quíron lhe receitar a seiva de uma planta. No poema de Walcott, Ma Kilmann prepara uma infusão e Philoctete purifica-se.
O poema atinge o auge na passagem
Toda a epifania de Omeros se centra neste encontro, que é a alternância entre passado e presente intertextual. O impacto que o poema provoca no leitor foi resumido com precisão por Joseph Brodsky: “Walcott baseia-se na convicção de que a língua é maior do que os senhores ou os seus escravos, de que a poesia, sendo a versão suprema da língua, é um instrumento de auto-aperfeiçoamento tanto para uns quanto para os outros”3.
1 Omeros,
2 Poems of the Caribbean, NY, Limited Editions Club, 1983.
3 In Menos que Um, São Paulo, Companhia das Letras, 1994.
terça-feira, 3 de maio de 2011
O CANTOR SUICIDA1
No conjunto da obra de um poeta encontramos sempre uma que absorve a atenção e incorpora o paradigma de um determinado autor. Lembro, por exemplo, de Trilce de César Vallejo, Ossi di Sépia de Eugenio Montale ou Tristia de Ossip Mandelstam. A Ponte de Hart Crane encarna esta premissa e é o ápice de todo o virtuosismo de uma lírica que acabou fugazmente.
Crane nasceu a 21 de julho de 1889, em Garretsville. Desempenhou diversas funções, como chefe de uma casa de chá, operário de estaleiro, balconista de pastelaria e repórter. Viajou pela Europa e o México foi o último país que visitou. O poeta oscilava entre períodos de criatividade intensa e outros da mais extrema aridez. Publicou o primeiro livro White Buildings2, em 1926. O seu protetor foi Otto H. Khan que o incentivou a seguir o trabalho literário. A Ponte saiu em 1930. Dois anos mais tarde consegue uma bolsa da Fundação Guggenheim. Viaja então para Paris e o México, onde se hospedou na casa de Katherine Anne Porter. A turbulência do álcool, de Eros e o caos dos "roaring twenties" haviam corroído já seus sentidos. A 27 de abril de 1932, ao regressar aos Estados Unidos na companhia de Peggy Cowley, uma das muitas mulheres que o tentaram "salvar" do homossexualismo, Crane lançou-se do SS Orizaba no mar das Caraíbas. Era o fim de uma vida curta e atormentada mas que produzira A Ponte, um poema que consegue igualar-se com outros grandes momentos da poesia norte-americana.
Conforme propôs Thomas Vogler, a intenção era ambiciosa, pois Crane "assegura a esperança no futuro face às tristezas do presente. Baseia-se na intuição de um passado glorioso e estabelece a ponte entre este passado e o futuro apesar do presente"3. Afirmações como a de Malcolm Cowley4 de que "Hart Crane bebia para escrever", assim como a sua homossexualidade, parecem ser demasiado superficiais para explicar a sua obra. É sobretudo a sua poesia que interessa.
A Ponte se organiza tendo como eixo simbólico a imagem da ponte de Broklyn e a partir dela agrupa as mais diversas personagens e temas que representam as referências categóricas do imaginário americano do passado e do presente. Crane observa o movimento desordenado do mundo e as imagens surgem expansivas. Colombo, Pocahontas, Rip Van Winkle, Poe, Whitman; o óleo derramado pelos barcos sendo levado pela correnteza do rio, o som ensurdecedor do trânsito e a velocidade do metro juntam-se para criar a paisagem urbana vislumbrada por Crane:
"Lentamente a janela ilumina-se. Ilumina-se com a
geada.
Das torres ciclópicas do outro lado das águas de
Manhattan
- Dois - três olhos como janelas brilhantes acendem-se, o disco
Solar, liberto - lá no alto gaivotas indiferentes"5
A autenticidade verbal veiculada por Whitman cede lugar, na poesia de Crane, a uma densidade metafórica:
"Como lanças ensanguentadas de uma sonante estrela
que sangra infinidade - as cordas órficas,
falanges siderais arremessam-se e convergem:
- Uma canção, uma Ponte de fogo!"6
A Ponte é a resposta de Crane a Waste Land de T. S. Eliot, que está presente em muitas passagens do poema como:
"No solo, junto às esquinas
jornais esvoaçam, volteiam e levantam voo.
Janelas vazias no meio do rumor gargarejam sinais"7
O escopo fundamental deste poeta era escrever um poema que sintetizasse "a epopeia da consciência moderna", só que forjado por uma lírica trágica e as imagens irradiam sua fúria mística:
"E de novo as luzes do trânsito que deslizam pelo teu idioma
veloz e total, imaculado suspiro de estrelas
ornando o teu caminho, condensam a eternidade"8
O poema revela-nos uma voz hierática e demoníaca:
"Tu que respondes a tudo, - Anêmona, -
agora, quando as tuas pétalas soltam sóis à nossa volta, defende -
(Ó tu cujo esplendor é a minha herança)
Atlântida, - defende o teu cantor flutuante!9
Vinte e sete anos após o seu suicídio, outro poeta cantor do imaginário do seu país - Robert Lowell -, homenageou-o com um pequeno poema que define um pouco o poeta que, no auge das noites etílicas, dizia ser a reencarnação de Christopher Marlowe:
Because I knew my Whitman like a book,
"in America, tell my country: I,
Catulus redivivus
(...)
Who asks for me, the Shelley of my age,
must lay his heart out for my bed and board"10
1 A Ponte, trad. Maria João Guimarães, Lx., Relógio d'Água, 1995; publicado no jornal Expresso.
2 White Buildings, NY, Liveright Publishing, 1986.
3 The Bridge, NY, Liveright, 1992.
4 Exile's Return - a literary odyssey, Penguin, 1994.
5 op. cit., p. 31.
6 idem, p. 113
7 idem, p. 105
8 idem, p. 19
9 idem, p. 113
10 "Porque sabia Whitman de memória e o que o livro,/ estrangeiro na América, dizia ao meu país: Eu/ cattulus redivivus(...) Aquele que perguntar por mim, o Shelley da minha época,/ deverá ofertar-me o coração para servir-me como cama e alimento".